Itamonte

Entre Lendas e Histórias, desponta o povoado do Picu - Hoje: Itamonte
            Tendo por base algumas evidências arqueológicas a tribo dos Cataguazes, pertencentes à nação Tupi, foi a primeira a povoar a região. Adeptos do nomadismo, esse grupo apresentava várias subordinações internas as quais se caracterizavam por núcleos familiares entre 600 a 800 membros.
            Os Cataguazes dominavam a técnica do fogo, eram guerreiros e antropófagos.
 
Lenda da Serra da Mantiqueira
            Conta a "Lenda da Serra da Mantiqueira" que uma linda princesa do povo Tupi era desejada por todos, mas a ninguém queria. A princesa amava o Sol, o Guerreiro do Cocar de Fogo, que vivia distante, no céu, caçando para Tupã (nome Tupi do trovão, usado pelos missionários jesuítas para denominar Deus). Mas, embora tenha resistido por algum tempo, também o Sol Guerreiro acabou sucumbindo aos encantos da linda princesa. Dia após dia, o Sol "se fazia meio-dia" para aquecer a sua amada. E não mais havia noite, para desespero da Lua.
            Enciumada, a Lua contou a Tupã sobre o amor proibido entre o Sol e a princesa, uma simples mortal. Para colocar fim a aquele amor, Tupã ergueu uma enorme montanha e lá dentro encerrou a princesa encantada da brava tribo guerreira. O sol sangrou poentes e quis se afogar no mar. A lua, sentindo a dor de seu amado, chorou miríades de estrelas e a princesa, chorou rios de lágrimas, e suas águas até hoje correm por entre as montanhas, formando as nascentes e muitíssimas cachoeiras que fazem da Serra da Mantiqueira "a serra que chora".

Mantiqueira em Tupi- Guarani significa: Local em que se originam as águas.
 
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            No caso especifico da cidade de Itamonte, muitas lacunas ainda pemanencem em meio ao seu passado das primeiras bandeiras e entradas. Em um estudo referêncial para os domínios itamontenses, o pesquisador I. L. Fortes Bustamante já afirmava que: “perde-se em lendas confusas o início de São José do Itamonte, parecendo, no entanto, que sua origem provenha dos meados do século XVII, época do afluxo das bandeiras ao planalto das Gerais.” As colocações do autor acabam por ampliar um interessante leque de possibilidades, não restringindo a história do município a um sentido unívoco e totalizante. A própria expressão “lendas confusas” não deve ser desqualificada, visto que são estes tipos de relatos os grandes responsáveis pela recuperação dos fragmentos que passariam desapercebidos por uma historiografia do tipo tradicional – afinal, a história também é feita de lendas... Não obstante à importância de se indicar as principais datas e alguns nomes pioneiros, interessa revelar que os relatos imaginários não se desvinculam dos diversos acontecimentos, integrando de sobremaneira esse passado multiplo de significados.
 
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            A rápida descrição do itinerário percorrido pelo bandeirante, ainda nos primordios do século XVII, menciona alguns lugares cujas denominações são bastante comuns à atual área itamontense – Alto do registro, Agulhas Negras e Rio Capivari ou Picu são os topônimos arrolados, os quais ainda permanecem como importantes indícios do passado colonial. Além disso, interessante notar que a região do atual do município de Itamonte serviu como importante passagem para os inumeros transeuntes e viajantes, tendo como destino final as minas auríferas da região centro-norte da antiga capitania de Minas Gerais.
            Com a descoberta do ouro em quantidades abundantes na Comarca do Rio das Velhas – divisão detentora dos centros de Ouro Preto, Mariana e Sabará – o êxodo populacional se intensificou no interior na Colônia, tornando a região itamontense palco de inúmeros pousos e estadias às margens das estradas setecentistas. E foi justamente a partir das atividades dessas casas de dormitório para tropeiros que surgiu o povoado que viria a se tornar Itamonte. Nas palavras do pesquisador Fortes Bustamante:
            “A um desses pousos ficou o nome de ‘Pouso do Pico’, à raiz da serra pelo destaque com que sobressai solitário o rochedo no dorso altaneiro da montanha. O linguajar do povo transformou a pronúncia de pico – em Picu.”
            Tendo como contexto as sinuosas montanhas mineiras, mais precisamente a Serra da Mantiqueira, o antigo arraial acabou se formando não somente pelo trânsito de mercadorias e pessoas entre as Capitanias de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro. Nessa localidade, tão logo se afixaram as primeiras famílias, iniciaram-se as culturas agrícolas e pecuária de subsistências. Tais produções serviram como sustentáculo para o próprio povoado do Picu, além de auxiliar em uma eventual falta de alimentos nas zonas mineradoras.
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            Dentre as propriedades rurais que surgiram já no século XVIII nessa região mineira, procedimentos estes que envolviam a cessão de terras pela Coroa Portuguesa, o senhor Frankilin de Melo acabou sendo um dos contemplados no ano de 1714. Segundo o morador Mário Pinto Fonseca, a história dessa fazenda pode ser ainda rememorada quando da vista da Princesa Izabel à região, personalidade esta que aconselhou ao fazendeiro residente que vendesse o imóvel devido às dificuldades de acesso. Logo depois, a família Fonseca adquiriu as terras – no caso, antepassados do senhor Mário Pinto Fonseca – nas quais ainda permanecem traços do passado itamontense: o moinho e o muro de pedra junto à antiga senzala, além da sede da propriedade, todas essas obras construídas por escravos. Nessa medida, percebe-se que um simples exemplar do setecentos mineiro pode engendrar muitas histórias...
            Não há registros oficiais quanto à data de construção da primeira igreja de Itamonte. Muito provavelmente, tal edificação teria sido erigida de maneira simultânea ao crescimento do Pouso do Picu ainda no século XVIII. Segundo o pesquisador I. L. Fortes Bustamante:
“A parte mais antiga tem como fundações enormes lageões de pedra, sustentáculo de grossas paredes de taipa que escondem em sua magia travamentos de madeira de lei.
Construída por braços escravos (...) esse monumento de fé é o marco evocativo de um passado já longínquo da terra itamontana.”
 
            O então Pouso do Picu, assim que consolidou a sua respectiva capela como importante referencial do povoado, passou a ser chamado de São José de Picu, numa clara alusão à santidade homenageada; evidencia-se, pois, que os traços religiosos integravam de sobremaneira a vida coletiva do arraial. Entretanto, não se pode negligenciar que outros aspectos, além de católicos, também se fizeram presentes na região – basta citar as presenças marcantes da cultura indígena e da africana na população itamontense. Tal contexto viabilizou as ocorrências de múltiplos hibridismos, apontando para uma perspectiva ampla no que toca aos cultos de São José – seja qual fosse a forma de veneração, a localidade se expandia tendo como eixo central a primitiva igreja.
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            Pouso do Picu, São José do Picu, São José do Itamonte, foram estas as denominações recebidas pela cidade itamontense até finais da década de 30 do século XX: o primeiro topônimo fora usado ainda nos tempos de arraial, sendo que o segundo se perpetuou até o ano de 1927. Itamonte pode ser traduzido como pedra do monte ou montanha de pedra, o que acaba por sugerir a junção de vocábulo tupi ‘ita’ com o imponente pico da região ‘monte’; acidente geográfico este que já era apropriado pelos anônimos sertanistas como referencial para as suas andanças. A adjetivação Itamonte consolidou-se a partir dessa época, permanecendo somente esta após a emancipação municipal, a qual ocorrera em 17 de dezembro de 1938. Enquanto distrito, Itamonte permaneceu vinculado, cronológicamente, aos municípios mineiros de Baependi, Pouso Alto (até 1923) e Itanhandu (até sua autonomia). O processo de elevação à categoria municipal acabou se caracterizando por inúmeras alternâncias, tendo como destaque os nomes de políticos como Francisco de Oliveira Costa e Antônio Araújo Costa.
 
Estrada Real
            Estrada Real era o nome alusivo a qualquer via terrestre que, à época do Brasil Colônia, era percorrida no processo de povoamento e exploração econômica de seus recursos, em articulação com o mercado internacional.
            A designação "Estrada Real" reflete o fato de que era esse o caminho oficial, único autorizado para a circulação de pessoas e mercadorias. A abertura ou utilização de outras vias constituía crime de lesa-majestade, encontrando-se aí a origem da expressão descaminho com o significado de contrabando.
            Entre os séculos XVII e XIX um conjunto de vias terrestres – muitas delas simples reapropriações de antigas trilhas indígenas (peabirus) – aproximou diferentes regiões do território brasileiro.
            Na segunda metade do século XVII, diante da crise econômica da agromanufatura açucareira suscitada na Colônia a partir da expulsão dos Holandeses (1654), tornou-se imperioso identificar novas fontes de recursos. Desse modo, uma nova leva de expedições partiu da vila de São Paulo em direção ao interior. Essas expedições ficaram conhecidas como bandeiras e os seus empreendedores como bandeirantes. Os paulistas, mestiços de portugueses com indígenas, tinham o conhecimento, não apenas dos milenares caminhos dos nativos (peabirus), como também das suas técnicas de sobrevivência nos sertões.
            Algumas dessas bandeiras, percorrendo a chamada trilha dos Guaianases, a partir do vale do rio Paraíba do Sul, através da passagem da Garganta do Embaú, na Serra da Mantiqueira, dirigiram-se para o sertão posteriormente denominado de Minas Gerais. Com a descoberta de ouro de aluvião, ao final desse século, intensificou-se o trânsito de pessoas, animais e gêneros entre o litoral e a região, definindo-se diversas vias, as principais das quais são referidas por Antonil (Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas. Lisboa, 1711):
            O chamado Caminho Velho, de Paraty a Vila Rica (atual Ouro Preto), que, a partir da descoberta de ouro na região das Minas Gerais no século XVII, transformou-se no caminho oficial para o ingresso de escravos na região, assim como para o escoamento do ouro das minas, transportado de Paraty para o Rio de Janeiro, de onde seguia para Portugal. Esta via estendia-se por mais de 1.200 quilômetros, percorridos em cerca de 95 dias de viagem.
            Devido ao crescente volume de riqueza explorado na região das Gerais, a Coroa Portuguesa procurou garantir o seu controle e fiscalização de maneira severa, instalando postos de inspeção (Registros) para arrecadar os diversos tributos sobre minerais (notadamente ouro e diamantes), mercadorias, escravos e animais (cavalos, muares, bovinos) em trânsito, instituindo mais tarde as chamadas Casas de Fundição e mantendo na região dois destacamentos de cavalaria, os chamados Dragões das Minas, além de um terceiro, no Rio de Janeiro.
            A partir da abertura do Caminho Novo, tornado via oficial, foram aí concentrados os Registros, proibindo-se a utilização das demais vias, consideradas como "descaminhos" e rigorosamente punidos como tal.
            Os registros não eram novidade. Alguns já haviam sido estabelecidos na "saída" das minas e nos portos, para fiscalizar a cobrança do "quinto" e para combater o contrabando de gado que vinha da Bahia, logo nos primeiros anos da corrida do ouro. Nessa época eram guarnecidos pelos "paulistas mais poderosos". Agora fiscalizavam um novo imposto, "as entradas", e seu número era muito maior; praticamente todas as estradas e caminhos importantes estavam sob a vigilância de um ou mais registros. Havia também as "contagens", registros especializados na cobrança do tributo sobre os animais levados de uma capitania para outra. Essa expressão, porém, vulgarizou-se muito mais em Goiás, onde existiram quase duas dezenas de contagens. O sistema de registros "das entradas" foi implantado em Minas Gerais a partir de 1716; em Goiás, os primeiros foram instalados em 1732; em São Paulo, a partir de 1721, nas minas do Paranapanema.
            Os Tipos de Registros eram: I - Registros do Ouro - para fiscalizar o transporte e cobrar o "quinto", se fosse o caso. Foram criados pela portaria de 18 de abril de 1701, baixada pelo governador Artur de Sá e Menezes. II - Registros de Entradas - habitualmente explorados por contratadores, que arrematavam o direito de cobrar o tributo. III - Registros dos "Meios Direitos da Casa Doada", distribuídos ao longo da estrada do Rio Grande do Sul a São Paulo, para cobrar essa contribuição, que incidia exclusivamente sobre animais. IV - Registros da Demarcação Diamantina - postos fiscais e quartéis encarregados da repressão ao contrabando de diamantes, mas também da cobrança das "entradas". V - Contagens, registros especializados na cobrança de tributos sobre animais em trânsito.
 
Registro - PICU
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            Registro localizado em Minas Gerais, na divisa com São Paulo, nas imediações da montanha do mesmo nome, mencionado em 1822 e 1823. (FONTE : Catálogo de Documentos Integrantes do Segmento do Antigo Arquivo Casa dos Contos, 052).
            A decadência do ouro não acabou com as "entradas", nem com os registros. Eles perduraram através do Império, mudaram o nome para "barreiras" e só foram extintos com o advento da República. Mesmo no século XX eles ressurgiram de vez em quando, com o nome de "registros fiscais", no Acre e no Rio Grande do Sul. Os postos fiscais estaduais, que vemos nas divisas das unidades da federação, ainda que limitados a funções estritamente de fiscalização, não passam de uma forma disfarçada dos velhos registros.
 
Dados:
            Hoje, Itamonte tem sua população estimada em 13.756 habitantes. A área é de 431 km² e a densidade demográfica, de 30,83 hab/km².
            Localizado na divisa com os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, Itamonte tem como municípios limítrofes Baependi a norte, Alagoa a nordeste, Bocaina de Minas a leste, Resende (RJ) e Queluz (SP) a sul, Itanhandu a oeste e Pouso Alto a noroeste.
            É a porta de entrada para o Estado de Minas Gerais, parte alta do Parque Nacional do Itatiaia e Pico das Agulhas Negras.

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